Gratidão. É o que vejo em seu olhar. Eu não preciso fazer nada. Nem sorrir, nem brincar, nem tentar chamar sua atenção. Basta ela me olhar que um sorriso desbota, com toda sua boca vazia à preencher meu coração. Rubi era tão faceira, que de tão faceira, só precisava existir para que eu dissesse:

Eu te perdoo, filha, por ter me engordado e deixado marcas em meu corpo. Eu te perdoo, pelas dores do parto e suas circunstâncias emergenciais. Eu te perdoo pelas noites sem dormir. Eu te perdoo pela agonia que me deixava ao chorar. Eu te perdoo pelo medo de te perder de repente. Eu te perdoo pela vodka que não podia mais beber. Eu te perdoo pelos cabelos bagunçados e os olhos fundos e a coluna torta. Eu te perdoo pelo mau humor com os outros só por eu estar cansada. Eu te perdoo por ter passado fome, pelos banhos de gato, por quase ter feito xixi na roupa e mal poder respirar por um minuto sem você me chamar desesperada. Eu te perdoo por ocupar o tempo que seu pai tinha comigo. Eu te perdoo por meu perfume ser leite azedo. Eu te perdoo por golfar na minha roupa nova bem na hora de sair de casa. Eu te perdoo por não ter o mesmo ânimo de encontrar com minhas amigas. Eu te perdoo por ter vergonha dos meus seios. Eu te perdoo pelo coco que vazava da fralda e até pela certa vez que você passou a mão e esfregou no meu rosto. Eu te perdoo por arrancar meus cabelos. Eu te perdoo por enfiar o dedo no meu olho. Eu te perdoo pelos tapas inconsciente enquanto você dormia e só queria confirmar que eu ainda estava ali. Eu te perdoo pelos minutos, horas, séculos, em pé, enquanto você brigava com seu sono - e eu com o meu. Eu te perdoo, filha, porque nada nesse mundo vale mais do que a gratidão do teu olhar.

E era assim, me colocando em exaustão, fazendo eu pensar estar no limite quando conseguia ser capaz de aguentar mais a cada dia, que eu percebia que com aquele olhar ela era capaz de ganhar o mundo.

Seja feliz, Rubi. Sempre.
Com amor mamãe.


selfiando...


Eu tinha todos os motivos para sorrir. Rubi completou 5 meses no segundo dia de um ano cheio de esperanças. Talvez eu nunca tenha me sentindo tão feliz quanto naquele momento. É que o ano de 2015 era um ano mais leve. Eu havia vencido a tristeza por Benício, ajudei meu marido a vencer várias batalhas dentro de si e tinha a Rubi. Sobrava espaço no coração para novos sonhos. Eu finalmente podia sonhar outra vez. Quê de tão bom há em viver se não sonhar?


Mas não posso simplesmente voltar aqui e sair escrevendo desenfreada sem pensar no tempo em que deixei este lugar tão especial criando teias. Eu poderia dizer que Rubi sugou todo o meu tempo, que eu estava aproveitando a vida, ou qualquer outra coisa. Mas eu estava sem vontade mesmo. Até que recebi uma mensagem de uma pessoa até então desconhecida, contou ter lido o blog inteiro e me fez sentir especial com elogios que nem sei se me eram cabíveis. E meus dedos começaram a coçar e pipocaram essas palavras soltas (risos). É tão mais bonito quando escrevemos com o coração cheio, com apreço, do que apenas por obrigação. Rubi entenderá que seu terceiro mês, quarto mês, também foram cheios de amor. Ainda que eu não tenha nenhum papel para falar sobre isso. Mas eu lembro cada descoberta, e quem sabe, escreva uma recordação breve num outro dia.



Às vésperas de completar meio ano de vida, com cinco meses, eu sentia minha filha tão grande. Tão maior que eu. Tão dona do mundo. Rubi já dormia em seu berço mas era preciso levantar para atender seus berros estridentes umas três vezes, e acalmá-la com o seio. Ah, e o berço foi para o nosso quarto. Nem me venham com essa de que estou a criando com apego, porque eu quero mesmo que ela não desgrude de mim. Nem por um segundo. Das vezes em que meu corpo exausto me pedia descanso eu não me importava em aninhá-la em nosso meio. E essa fase era tão mais fácil pois eu só precisava deixar meu seio disponível. Ela podia rolar, dar pirueta, mas se quisesse um leitinho daria um jeito. Assim ela não dava um pio e parecia a forma natural das coisas. Muitas vezes eu nem acordava (risos). A melhor parte de dormir com Rubi era acordar com Rubi. Ainda de olhos fechados eu sentia sua mão me acariciando, dedilhando cada traço de meu rosto. E quando ela finalmente me acordava eu mantinha os olhos cerrados, apreciando o melhor carinho do mundo. Quando minha pequena joia menos esperava eu a olhava e com isso ganhava um largo sorriso. Como não acordar feliz? Como não ter esperança na vida? Como me render a dor do passado se tenho bem na minha frente alguém que precisa tanto do meu amor? Não há como.



Rubi é uma menina que sorria para qualquer um. Que adorava bichos e crianças. Que colocava tudo na boca. Que tomou sacolé de leite materno. Que amava água de chuveiro, piscina, tanque, ... Que babava. Babava muito.



Vai um dogão, aí ? rsss