... a gente nunca esquece, principalmente se... ah, deixa eu contar desde o início!
A maioria das pessoas que me conhecem, sabem da história do meu filho, do motivo de sua morte, os meus motivos para correr atrás de oportunidade para outros bebês e tudo o que isso transformou em minha vida. Foi um dia imensamente doloroso. Benício morreu poucas horas depois de conseguir transferência para o Prontonil, em Nova Iguaçu. E é aí que as histórias se cruzam.
Essa troca de estações e alternância temporal fez com que meu marido resfriasse. Assim, consequentemente, tossindo em casa, eu resfriei também. Como já era de se esperar, sobrou até para a Rubi. Olha, o primeiro resfriado é torturante. Um bebê tão pequenino não sabe colocar o catarro para fora da garganta, fica tossindo e engasgando toda hora. Spray de soro fisiológico tem que ser de uma em uma hora, com a garganta ruim e o nariz congestionado, ela vai respirar como?! E as febres... chato demais. Mas se você sobreviver ao primeiro resfriado sem se desesperar, estará preparada para os tantos outros que virão. Infelizmente, a imunidade deles é baixa no primeiro ano de vida e não tem o que fazer a não ser cuidar e esperar passar.
Após uma semana nesse ciclo de nariz entupido, tosse com catarro, cansaço e febre, e, sem conseguir marcar um pediatra pelo plano de saúde, resolvemos ir à emergência de um Hospital, pois, ainda que ela estivesse bem seria uma espécie de micro consulta e nos daria um certo alívio.
Barrili estacionou o carro. Eu não conseguia sair. Nem abrir a porta. Minhas pernas tremulavam. Meu corpo suava frio. Minha cabeça rejeitava aquela situação. Não. Eu não podia fazer aquilo. Mas fiz. Saí do carro e peguei a Rubi da cadeirinha. No primeiro passo adiante pude me ver, esticada num banco do lado de fora do Hospital, com muitas pessoas chorando e gritando ao meu redor, mas eu silenciava e olhava para o céu. Era um dia chuvoso, as gotas despencavam e tocavam meu corpo lentamente. Talvez tenha sido o meu maior momento de conexão com Deus e a única vez em que não tive reação ao que me acontecia. Isso fora há quase dois anos. Nada parecido com aquele solzinho aquecido de início de primavera. Eu estava de volta ao Prontonil. O banco já não estava mais lá, mas o vi com toda a clareza de detalhes guardados em meu coração. Segui até a porta do Hospital, foi quando a primeira lágrima caiu. Era inevitável. Olhar para o corredor e me sentir correndo entre tubos, médicos, enfermeiros, bombeiros e sabe se lá Deus mais quem. Segurando meu filho num medo enorme de que, com minha fraqueza, ele caísse. Agarrado ao meu peito, desesperado. Me desesperando. Entrar com Rubi calmamente só me fez sentir falta daqueles últimos momentos avassaladores com meu Benício no colo em vida. Se soubesse, se, ao menos cogitasse o pior, eu teria feito mais devagar, com certeza. Eu não conseguia dizer uma palavra a atendente da recepção. Ela me olhava como quem diz "o que você veio fazer aqui" e eu pensava "não faço ideia". Eu tenho essa mania de cutucar a dor. Todos me olhavam com certo desajeito e eu chorava sem receio. Ninguém ali sabia o que se passava no meu coração, e dane-se. Eu não precisava conter a minha angústia para fazer qualquer outra cena se não a que eu sentia verdadeiramente.
Demorou quase nada. A pediatra de plantão nos chamou e Barrili foi logo explicando toda a nossa vida, ele se sentia mais seguro assim. Como se isso fizesse nossa filha ter mais importância, mais cuidado. E, de certo, eu concordo com ele. Os profissionais da saúde sempre se esforçam ao máximo quando sabem o que nos aconteceu. Ela examinou Rubi criteriosamente e no final disse que era só um resfriadinho mesmo, que eu já estava fazendo a coisa certa e que ela está maravilhosa!
Ao sair, antes de bater a porta voltei para agradecer mais uma vez, a médica estava com lágrimas caídas sobre seu bloco de receituário. Certamente se emocionou em pensar no nosso sofrimento, medo e como qualquer tosse nos apavora.
Voltamos para casa com uma dorzinha latente mas com a certeza de que nossa preciosa estava bem.